Deslocar-se geograficamente impôs-se desde cedo como uma questão central na vida de Vladimir Herzog, quando a perseguição nazista durante a II Guerra Mundial obrigou sua família a abandonar Banja Luka, na Iugoslávia, e peregrinar por cidadezinhas italianas, até, por fim, de modo até então imprevisto, decidir atravessar o oceano e radicar-se no Brasil, em 1946. Daí em diante, seja como consequência de sua carreira jornalística, seja por motivação pessoal, viajar e visitar lugares fez sempre parte da biografia de Vlado, como o comprovam as fotografias que aqui estão apresentadas.
Aquele que talvez seja o primeiro passaporte brasileiro de Vladimir Herzog dá notícia de algumas viagens feitas por ele a países da América do Sul, incluídas aí a que realizou pra cobrir o Festival de Mar del Plata de 1962, como correspondente de O Estado de S. Paulo, e a que empreendeu com Maurice Capovilla, em julho de 1963, para estagiar na Escola de Santa Fé, com Fernando Birri. A ida ao Chile, em fevereiro de 1965, com a esperança de obter trabalho e escapar ao cenário sombrio do Brasil pós-1964 é mencionada em carta.
É, entretanto, somente a partir de uma nova viagem transatlântica e depois de passados quase dois anos de residência em Londres (a partir de julho de 1965), que a prática itinerante de Vladimir Herzog e família começa a ganhar profusa documentação. Até maio de 1967, as duas breves excursões europeias conhecidas, uma, com Clarice, na passagem do ano novo 1965-1966, em Paris (ver carta de 7 de janeiro 1966), outra, escoteiro, para Florença e Roma, entre fevereiro e março de 1966 (ver carta de 9 de março de 1966), contam exclusivamente com menções epistolares. Então, finalmente, no périplo de 31 dias pela Europa, os lugares que Vlado e Clarice percorrem passam a ganhar cores e enquadramentos a sensibilizarem dezenas de instantâneos preservados em slides até os dias de hoje. Na sequência, as ilhas britânicas reservarão à família Herzog outras viagens e passeios mais ou menos inusitados: a litorânea Dawlish, no sul da Inglaterra; o Lake District, ao noroeste; o enigmático sítio de Stonehenge; a acadêmica Oxford; Stratford-von-Avon, cidade onde se supõe ter nascido Shakespeare; e, haverá mesmo tempo para uma esticada até o País de Gales, ou, no continente, um pulo até Rotterdam. Todos esses giros foram devidamente fotografados.
De volta ao Brasil, é possível verificar no segundo passaporte de Vlado um novo ciclo de viagens, aparentemente anual e provavelmente coincidente com períodos de férias. Em maio de 1972, uma longa viagem o conduz, junto com Clarice, pela Argentina o Chile e o Peru. As numerosas fotografias flagram o casal em lugares turísticos como a Ilha de Páscoa, Machu Picchu e o lago Titicaca, entre outros. No ano seguinte, no mês de outubro de 1973, acontece uma revisitação do solo europeu que inclui Londres, Paris, Madri e Amsterdam. Nessa oportunidade, várias imagens de museus e obras de arte sugerem uma aparente ânsia de ver coisas que não puderam ser abarcadas durante o período em que ambos viveram em Londres. Por fim, maio de 1975 leva Vlado e Clarice aos Estados Unidos, e as fotos permitem identificar as passagens por Washington e Nova Iorque.
Viajar e fotografar constituem atividades culturalmente afins na nossa sociedade, pois a memória humana é insuficiente e volátil. Para Vladimir Herzog, como para muitos outros, a viagem talvez significasse uma oportunidade de conhecer e aprender, e, a fotografia, um meio de preservar momentos fugidios e absorver do mundo uma visão esteticamente aprazível e expressiva. Para os que herdaram essas imagens, essa coleção preciosa é útil para se compreender melhor o homem que as produziu (o que aparece nelas retratado) e algumas partes desse mundo ao qual ele pertenceu.