ECA-USP

Talvez um dos capítulos mais tristes e lamentáveis da história da Universidade de São Paulo tenha sido o modo como a Escola de Comunicação e Artes (ECA-USP) se posicionou na esteira do assassinato de Vladimir Herzog. Depois de lá trabalhar por três meses como professor voluntário (de agosto a outubro e 1975) à espera da assinatura do contrato (situação comum naquele período), a ele foi negado, pela direção da ECA-USP, qualquer registro formal de sua atuação docente, de modo que o que restam hoje sobre a sua passagem são as lembranças de quem com ele interagiu....

Talvez um dos capítulos mais tristes e lamentáveis da história da Universidade de São Paulo tenha sido o modo como a Escola de Comunicação e Artes (ECA-USP) se posicionou na esteira do assassinato de Vladimir Herzog. Depois de lá trabalhar por três meses como professor voluntário (de agosto a outubro e 1975) à espera da assinatura do contrato (situação comum naquele período), a ele foi negado, pela direção da ECA-USP, qualquer registro formal de sua atuação docente, de modo que o que restam hoje sobre a sua passagem são as lembranças de quem com ele interagiu.

À época esposa de Paulo Markun (com quem Vlado já mantinha relações de amizade) foi Diléa Frate, mestranda da ECA-USP e igualmente professora voluntária dessa faculdade, a responsável por convidar Vladimir Herzog para lecionar na cadeira de Telejornalismo:

Ele gostava de estar com jovens. Sabia muito de cinema, de televisão, era um tremendo profissional. Eu tinha bom trânsito na escola, não houve restrições ao convite. Eram tempos de distensão, as pessoas acreditavam que o país estava mudando, Vlado e eu não éramos quadros do Partido Comunista. Ele nem quis discutir salários e acabei acompanhando-o em algumas aulas. (citado no artigo de Beatriz Vicentine para a Revista Adusp, "ECA de Manuel Dias e Helda Barracco apagou os vestígios de Herzog", p. 58)

Outro depoimento marcante é o de Gabriel Priolli, aluno de Vlado na ECA e, ao mesmo tempo, estagiário dele na TV Cultura. Na véspera do dia em que se apresentaria ao DOI-Codi, em 24 de outubro de 1975, Vladimir Herzog convocou Gabriel à sua sala e lhe entregou os trabalhos da turma:

Não estranhei quando Vlado me chamou à sua sala, no início da noite de 24 de outubro, para dizer que a situação estava se agravando e poderia atingi-lo. “Posso ser preso a qualquer momento, então pegue aqui os trabalhos da sua turma e devolva aos seus colegas”, ele me pediu. “Quando as coisas se acalmarem, a gente vê como faz a avaliação do curso”. (citado no artigo de Beatriz Vicentine para a Revista Adusp, "ECA de Manuel Dias e Helda Barracco apagou os vestígios de Herzog", p. 56)

A morte de Vlado provocou reações contraditórias na USP. Os estudantes entraram em greve e alguns deles compareceram ao enterro e ao ato ecumênico na Catedral da Sé. Michel Foucault, que estava no Brasil e ministrava um curso na FFLCH, interrompeu a disciplina e participou de assembleias. Por outro lado, na ECA, o Relatório Anual de Atividades do Departamento de Jornalismo e Editoração do ano de 1975 elide o nome de Vladimir Herzog que estava presente, segundo a Profa. Alice Koshiyama, na versão rascunho do texto ( ver o artigo de Alice Mitica Koshiyama, "A prática política para ser jornalista: ECA-USP 1975-1976", pp. 3-4). Além dessa supressão histórica, a própria Diléa Frate foi sumariamente expulsa da faculdade após sua liberação da prisão.

Um dos desígnios mais danosos da mentalidade autoritária é o esforço de rasurar a história, uma história específica, a história daqueles que não pactuaram, daqueles que resistiram. Quantos outros registros mais se perdem ou se perderam em situações similares -- vestígios de trabalhos, conquistas, vínculos sociais? Vladimir Herzog, em particular, pôde contar com uma reparação mínima: o relatório da Comissão da Verdade da USP terminou por recuperar a sua história dentro da instituição e reconhecê-lo justamente como professor (ver Relatório Final da Comissão da Verdade da Universidade de São Paulo).


VICENTINI, Beatriz. ECA de Manuel Dias e Helda Barracco apagou os vestígios de Herzog. Revista Adusp, São Paulo, n. 53, p. 55-60, out. 2012.Disponível em . Acesso em 21 mar. 2020

KOSHIYAMA, Alice Mitica. A prática política para ser jornalista: ECA-USP 1975-1976. Disponível em . Acesso em 21 mar. 2020.


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